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Nelson Falcão Rodrigues |
Ontem foi um dia extremamente memorável na minha vida. Ontem, finalmente, consegui assistir a leitura de Nelson Rodrigues por ele mesmo, com a maravilhosa Fernanda Montenegro. Na inauguração do Sesc 24 de Maio em São Paulo.
O livro foi organizado pela filha de Nelson, Sônia Rodrigues, e a leitura revelou o que eu sempre dizia nas aulas ministradas por Marco Antonio Braz, o maior especialista em Nelson Rodrigues... As pessoas não compreendem Nelson em sua completa totalidade, não entendem seu sarcasmo, muito menos compreendem toda beleza de sua obra e sua beleza como autor...
Nelson diz muito mais do que a gente consegue mesmo compreender. E ele consegue ao mesmo tempo chegar ao horror completo das tragédias humanas, como atingir a pura inocência da alma que o homem, sentido filosófico da palavra, possui.
Nelson é aquele tipo de escritor que nasce de milênio em milênio... Difícil de ser compreendido, exatamente por falar de maneira completamente aberta.
Lembro me que nas aulas com o Braz, sete meses a fio, claro que enfrentei um inicio de pneumonia, na verdade uma recaída.
Nunca tive uma saúde muito boa, sempre com uma fragilidade pulmonar desde minha infância, olha mais uma característica minha parecida com Nelson.
Voltando à vaca fria, nas aulas com o Braz, a gente sempre batia de frente, porque eu insistia dizendo que o Nelson era incompreendido, que todos lhe davam um rótulo de escritor agressivo, reacionário, insensível, mau... E até quem dele gosta, ainda sim o rotula de maneira incorreta. Uma vez que o Nelson tem uma delicadeza nas entrelinhas, tem uma inocência escondida atrás de tanto sarcasmo e satirização...
Porém, sempre disse ao Braz "é preciso entender o Nelson com mais cuidado, ele tem mais a dizer do que realmente se imagina". Não fique em várias ideias que andam bem longe do que o realmente Nelson é.
A leitura de Nelson Rodrigues por ele mesmo mostrou que eu realmente tinha razão no jeito de ler Nelson.
Nelson sempre utilizou toda sua história de vida ao escrever, com referencias diluídas da própria vida, e tudo que aprendeu como repórter, jornalista...
Nelson enfrentou a dor da morte de Roberto, fato que modificou de maneira tão dolorosa sua vida e aos 17 anos, idade onde todos nós estamos vivendo entre sonhos de adolescente e o vislumbre de encontrar a vida adulta.
E de pronto,a vida é dura com Nelson, num crime que chocou todos, que arrasou com a família de Nelson e que a assassina ainda saiu ilesa. Demonstrando que nem sempre o judiciário faz justiça. E que ceder a opinião pública é um meio de destruir tudo que o Direito preceitua e que a Justiça pretende alcançar.
No topo de sua juventude, Nelson envelheceu numa velocidade imensa...

Enfrentou a doença, várias vezes... Viveu na pele o dilema... Amor verdadeiro, fogo das paixões da carne completamente vazias...
A literatura se tornou sua companheira, lugar onde poderia soltar suas dores e ainda fazer com as pessoas se interessassem pelo que ele estava dizendo.
Descobriu o teatro... Tentou seguir a linha de todos os dramaturgos da época, mas sua literatura tomou vida própria desde o inicio... Havia uma voz dentro dela, que queria ser ouvida a todo o custo. E cada vez que Nelson escrevia, esta voz se soltava. E suas obras iam para um lado completamente diferente do que ele realmente queria.
Eram dolorosas, pulsantes, escarnecedoras, vibrantes, eram exatamente como a vida é. E, por mais que quisesse, Nelson não conseguia controlar essa voz literária tão intensa e forte que se revelava em cada obra que nascia.
Ah, Nelson, se você conseguisse imaginar como você se tornaria enorme com sua obra...
Caminhou por muitas paixões e deixou muitos filhos pelo mundo. E saiba que ainda tem mais dois filhos seus para serem conhecidos...
Mas à um deles você conseguiu transmitir o amor pela Arte, o amor que você mostrou em suas obras, mas que sempre repudiou pelo receio do sucesso destruir tudo. E um deles floresceu a semente da poesia que você tanto queria escrever, mas não conseguiu...
A vida te deu milhões de razoes para desistir... Mas sua força vinha exatamente em colocar tudo no papel e rasgar toda dor na beleza e magia da literatura...
Obrigada por ter tido essa imensa coragem. De dividir com o mundo em várias obras as dores escondidas na sua alma. E assim, nos dar a coragem de seguir em frente...
E, Fernanda emprestou toda sua sensibilidade artística para nos reaproximar um pouco mais de você. E Sônia teve a visão para enxergar dentro da sua obra tudo o que você realmente queria dizer...
Sou meio suicida quando expresso minhas opiniões, "O sujeito que opina por conta própria, simplesmente opina por conta própria, tem algo de suicida" Nelson Rodrigues.
Nunca fui mesmo de seguir padrões impostos, nunca fui mesmo de seguir a multidão... Embora um dia eu tenha tentado de todas as maneiras ser aceita e me encaixar, eu sempre soube que isto nunca aconteceria, porque eu simplesmente não nasci para seguir a multidão e ficar em silêncio.
Eu sou uma eterna menina, que levou muitas porradas da vida. Que teve o coração despedaçado várias vezes...
Que tem receio de se aproximar do amor. Porque a ignorância humana me fez acreditar que o amor é dor e desilusão...
Mas nunca deixei de ser uma menina, com o Sol no coração, a Lua na alma e todas as estrelas dentro dos olhos...
E foi na sua obra que muita coisa começou fazer sentido para mim... Seu último livro, escrito em 1978, a Serpente... Você escreveu quando eu nasci... E dois anos depois você se foi...
Seus olhos nunca esconderam a verdade. Sua busca incessante pelo amor verdadeiro e pela beleza da alma... Espero que eles tenham te encontrado, mesmo que no seu último suspiro...
Pois quem se doa ao outro, através da Arte e da Literatura, de certa maneira traz o céu até a terra. E faz o imaterial se tornar real...
"Todo amor é eterno e, se acaba, não era amor." Nelson Rodrigues
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Fernanda Montenegro e eu |
Sônia Rodrigues, eu quero muito... Muito te conhecer...
"O amor não se vê com os olhos mas com o coração."William Shakespeare
Com todo o meu amor...
Dryca Lys
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